TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Preliminarmente, insta consignar que a teoria do adimplemento substancial é extraída dos seguintes princípios contratuais:

i) função social das obrigações; ii) boa-fé objetiva e, iii) manutenção da base estrutural do negócio jurídico.

Tais princípios são extraídos do nosso ordenamento jurídico, em especial na Constituição Federal (ex. artigo 170) e no Código Civil (ex. artigo 421 e 422).

A teoria da substancial performance foi também consagrada no Enunciado nº 361, da IV Jornada de Direito Civil, que teve como autores os juristas Jones Figueirêdo Alves e Eduardo Bussatta:

“O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”

Por tal teoria, que é aceita por nossos Tribunais, na hipótese em que a obrigação tiver sido cumprida consideravelmente, não caberia a extinção do negócio jurídico.

Caberia, por outro lado, a cobrança do saldo devedor por meio de outras formas admitidas em direito (ex. Ação de Execução ou Cobrança).

A teoria, de forma acertada, visa a manutenção dos contratados e, portanto, merece ser acolhida pela jurisprudência.

Não obstante, a presente teoria vinha sendo reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive e especialmente nos casos envolvendo a alienação fiduciária em garantia , conforme se verifica dos julgados abaixo colacionados:

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇÃO DEVEÍCULO (LEASING). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEISPARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DEPOSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITOREMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. 1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título. 5. Recurso especial não conhecido. (STJ, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 04/08/2011, T4 - QUARTA TURMA, REsp 1.501.270).

RECURSO ESPECIAL. LEASING. AÇAO DE REINTEGRAÇAO DE POSSE. CARRETAS. EMBARGOS INFRINGENTES. TEMPESTIVIDADE. MANEJO ANTERIOR DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA A DECISAO. CORRETO OCONHECIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES. INOCORRÊNCIDE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. APLICAÇAO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E DA EXCEÇAO DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. Ação de reintegração de posse de 135 carretas, objeto de contrato de "leasing", após o pagamento de 30 das 36 parcelas ajustadas. Processo extinto pelo juízo de primeiro grau, sendo provida a apelação pelo Tribunal Justiça,julgando procedente a demanda. Interposição de embargos declaratórios, que foram rejeitados, com um voto vencido que mantinha a sentença, com determinação de imediato cumprimento do julgado. Antes da publicação do acórdão dos embargos declaratórios, com a determinação de imediata reintegração de posse, a parte demandada extraiu cópia integral do processo e impetrou mandado de segurança. Determinação de renovação da publicação do acórdãodos embargos declaratórios para correção do resultado do julgamento. Após a nova publicação do acórdão, interposição de embargos infringentes, com fundamento no voto vencido dos embargos declaratórios. Inocorrência de violaçãodo princípio da unirecorribilidade, em face da utilização do mandado de segurança com natureza cautelar para agregação de efeito suspensivo a recurso ainda não interposto por falta de publicação do acórdão. Tempestividade dos embargos infringentes, pois interpostos após a nova publicação do acórdão recorrido. Correta a decisão do tribunal de origem, com aplicação da teoria do adimplemento substancial. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. O reexame de matéria fática e contratual esbarra nos óbices das súmulas 05 e 07/STJ. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, REsp 1.200.105).

Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça possuía jurisprudência preponderante no sentido de aplicação da referida teoria em contratos de alienação fiduciária, o que balizava o entendimento dos Tribunais de Justiça pelo país.

Não obstante, no início de 2017, o mesmo STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.622.555-MG, com relator designado para lavratura do acórdão, Marco Aurélio Bellizze, a Segunda Seção entendeu por bem em não aplicar a sobredita teoria para os casos envolvendo alienação fiduciária em garantia, em evidente alteração de posicionamento.

Por meio do referido julgamento, entendeu-se que, mesmo nos casos em que o comprador de um bem tenha pagado a maior parte das parcelas previstas no contrato , havendo inadimplência, o credor pode ingressar com a medida de busca e apreensão e expropriar o bem do devedor.

Consigne-se que o julgamento do REsp nº 1622.555-MG não foi unânime, sendo voto-vencido os Ministros Marco Buzzi e Luís Felipe Salomão.

Entendemos que o julgamento acima mencionado representa um retrocesso junto à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que os princípios que fundamentam a sobredita teoria devem se sobrepor ao interesse do credor em expropriar bens do devedor, especialmente nos casos em que o adimplemento representa percentual significativo.

Ademais, tendo o julgamento não sido unânime, há ainda a possibilidade de discussão da matéria junto ao Superior Tribunal de Justiça.

JOÃO PAULO BETARELLO DALLA MULLE